quarta-feira, fevereiro 12, 2014

É O REGIME QUE TEMOS

          
Esta notícia do Público vai alimentar os blogues durante uma semana, culminando com mais um Prós e Contras do tipo "peixe-espada" - comprido e chato - com a costumeira escandalização, apelos à ética e demais exercícios de "deveria ser". Tudo pela boca dos próprios beneficiários deste lastimoso estado de coisas.
Ora bem, do meu ponto de vista é uma inevitabilidade que as clientelas partidárias venham a assumir lugares de relevo na Administração Pública quando o respectivo Partido Político ganha a eleições. É que não pode ser de outra maneira. O Partido Político  tenta ganhar eleições exactamente para proporcionar aos seus eleitores uma certa forma de governo e, também, para distribuir as benesses do poder por aqueles colaboradores mais proeminentes no funcionamento partidário. Porque foram esses colaboradores que serviram de instrumento à vitória eleitoral.  A não ser assim, ninguém se candidataria a lugares eleitos.  Ninguém tenta ganhar eleições para, depois de as ganhar, distribuir os lugares interessantes exactamente pelos apoiantes do Partido opositor que perdeu as eleições.  Um Presidente de Câmara, quando ganha eleições, não vai nomear como assessor um membro do Partido Político que perdeu as eleições, ainda menos a sobrinha do candidato  do Partido vencido. Obviamente que vai nomear um membro do seu Partido, provavelmente a respectiva sobrinha. 
E isto funciona assim, porque este  regime democrático é assim que está estruturado. Quando o Movimento das Forças Armadas instituiu deliberadamente um regime pluripartidário concorrencial entre si, só poderia conduzir a este resultado. Para mim não está bem nem está mal. É como é e nem vejo que possa ser de outro modo. Os militares é que deveriam ter antecipado o problema.
Ademais, este regime  envolve mais incoerencias e incompatibilidades com a Ética, com a Verdade ou  com o mero bom senso. Repare-se que a qualidade de eleitor - com a tremenda  capacidade  de eleger o governo - se adquire automaticamente por mero efeito de completar 18 anos de idade. Para caçar é necessário frequentar um curso e fazer um exame, para conduzir automóveis é necessário frequentar uma escola e fazer um exame. Mas para escolher a coisa mais importante para a vida em sociedade - que é a escolha dos governantes - baste ter 18 anos de idade, independentemente de se saber o que é um Partido Político, como funciona a Assembleia da República, o que é a Dívida Pública e o que ela interfere com a vida das pessoas, como se forma um preço, como funcionam os impostos, etc. Ou seja, presume-se que aos 18 anos todos os cidadãos passam a ser detentores dos conhecimentos mínimos que os habilite a fazer uma escolha política e cívica esclarecida. E o resultado está aí para todos verem.
Mas  pelo lado dos eleitos as coisas também não correm melhor. Quem acaba por ganhar as eleições não é o candidato mais sério,  mais  honesto ou mais  competente. Regra geral, quem ganha as eleições é o candidato mais mentiroso e mais manipulador. Pode ser, ou não, competente. Mas se  for competente é apenas por mera coincidencia. Pois não foi pela competencia que ele foi escolhido. Foi  eleito apenas pela maior eficácia  relativa da sua demagogia pessoal.
Sem excluir nenhum dos outros Primeiro-Ministros, basta pensar em Sócrates e na forma como ele superlativizou todas as características típicas do  candidato eficaz. E o resultado está aí.
Ao completar  40 anos sobre a instauração do regime constitucional  vigente, convirá reflectirmos sobre o modelo da nossa democracia. É que o eleitor, aquele que escolhe, não sabe muito bem o que faz e, por isso, mais facilmente fica refém e manipulado pela  demagogia dos candidatos pouco sérios que depois de eleitos instalam amigos, correlegionários e familiares nos lugares sustentados pelos impostos de todos nós.
Isto só entraria nos eixos quando os eleitores fossem obrigados a tirar a "Carta de Eleitor", para que só pudessem votar os aprovados em exame. Enquanto os eleitores não forem obrigados a formarem-se na sua qualidade de democratas nunca estarão em condições de efectuar escolhas esclarecidas. E a demagogia continuará a ganhar eleições.
Mais, até o  voto deveria passar a obrigatório. O voto não é apenas um direito. Votar é o dever principal do  cidadão. O principal dever do cidadão não é só pagar impostos. O principal dever de cada Homem e Mulher perante a Sociedade é fazer  a escolha  esclarecida daqueles que são os mais habilitados para governar a Pátria comum.  Votar é o principal dever cívico do democrata. Porque escolher quem governa implica também afastar do poder quem não presta. Uma vez mais sem excluir nenhum dos outros Primeiro-Ministros, basta pensar em Sócrates e na vantagem para todos nós se ele não tivesse sido eleito -  pelo menos, para o segundo mandato. A Bancarrota não teria acontecido, não era ?

(Sim, eu sei que me criticam por definir o problema pelas suas consequencias. Mas enquanto não doer na pele, ninguém assume, sequer, que existe um problema.)

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