segunda-feira, maio 13, 2013

POVO E ELITES

Um Texto do Prof. Cesar das Neves. Transcrevo a parte mais expressiva, acautelando que o link possa vir a desaparecer.

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"É preciso dizer que, apesar dos disparates, o regime está sólido e celebrará ainda muitos anos. O povo português lembra-se dos terríveis erros antigos e está grato por finalmente os termos vencido. A população resmunga, mas ajusta-se e encontra solução. O problema, hoje como sempre, está nas elites e intelectuais, que capitanearam o longo delírio político de 1820 a 1974.
A nossa elite é intimamente avessa aos princípios básicos da democracia. Mesmo se ultimamente adoptou a versão oficial, exteriormente democrática, que por vezes até parecia sincera, a crise actual veio revelar as suas reais tendências. As origens da atitude são velhas, profundas e estruturais, manifestando-se claramente em todas as épocas.
A essência da democracia, na política como na economia, é competição, alternativa, desportivismo. Que todos tenham oportunidade de se apresentarem e ganhe, não o melhor, que ninguém sabe quem é, mas aquele que a sociedade preferir. Ora, os nossos pensadores e dirigentes há séculos que são eminentemente proteccionistas, corporativos, clientelares. A sua visão é aristocrática, egoísta, manipuladora. Consideram-se geniais e desprezam as massas ignaras e o País, que nunca os mereceu. Visceralmente avessos à incerteza das eleições e mercados, preferem arranjinhos de bastidores, batota do árbitro comprado, garantia de progra- mas de apoio.
Esta atitude de fundo sempre se manifestou no campo económico com uma posição abertamente anticapitalista. Do jacobinismo republicano ao corporativismo salazarista e à social-democracia do PS e do PSD, a elite nacional repudia sem rebuço a incerta economia de mercado, preferindo a versão dirigista e regulamentar. No campo político, pelo contrário, o discurso tem sido mais diversificado. Aí é preciso ir ajustando as expressões, para não chocar as conveniências de cada época.
É verdade que mesmo após Abril permaneceu viva, sobretudo na extrema-esquerda, uma doutrina claramente antidemocrática. A corrente principal da elite, no entanto, dizia-se nominalmente defensora de um regime aberto e europeu. Isso não impediu, naturalmente, a captura corporativa do sistema que alimentou a dívida galopante. Agora que os resultados da loucura rebentaram, vemos as personalidades mais insuspeitas apregoarem propostas perversas, sem a menor vergonha de negarem aquilo que sempre disseram defender.
As actuais imprecações antidemocráticas partem sempre do repúdio do Governo, alegadamente povoado de mentecaptos perversos empenhados na demolição nacional. O facto de essas políticas virem não do arbítrio de ministros tolos, mas da orientação de instituições internacionais reputadas, a quem os críticos sempre proclamaram uma adesão incondicional, não parece fazer a menor diferença. A única solução, segundo eles, é subverter as instituições, derrubar a maioria legítima, convocar eleições subversivas.Nem sequer entendem que essa mesma proposta minaria a legitimidade do Governo daí resultante, o qual, aliás, não teria outro remédio senão continuar na mesma linha de austeridade.
As nossas elites são profundamente antidemocráticas. É por isso que durante séculos esse regime nunca vingou por cá. Desta vez talvez haja esperança. O povo, que sempre teve uma saudável desconfiança das elites, já vive o 40.º ano depois de Abril.