segunda-feira, janeiro 02, 2012

CAVACAS



Nos meus tempos de criança, em pleno ambiente rural, a cavaca assumia-se como o doce simbólico da festa e da celebração públicas. Perante a impossibilidade de maior sofisticação, a cavaca em forma de taça mais ou menos revestida a açucar, tinha que bastar na satisfação e no consolo papilar. Confesso que nunca gostei muito. A massa era rija, partia-se ao trincar e sempre tive uma boca pequena - conforme a minha dentista sistematicamente me lembra - para abocanhar os bordos da concha. Debicava o revestimento de açucar e o resto ia clandestinamente para o valado de silvas que estivesse mais próximo para evitar a recriminação dos adultos pelo desperdício da "guloseima". Ademais, por não partilhar o prazer dos restantes moços que adoravam cavacas, sempre me senti deslocado em toda e qualquer festa que assentasse na instituição cavaca. Ora bem, a analogia com o actual Presidente da Republica não resulta apenas da óbvia homofonia. O Cavaco, Presidente, também me suscita aquele conjunto de reacções. Para lá de algum açucar no revestimento que atrai as moscas, a essência não passa de um bocado de massa dura que se estilhaça ao trincar, que embucha sem satisfazer, tudo em ambiente de falsa alegria e de festividade forçada, em contexto saloio importado para o palácio depois de estagiado em marquise de alumínio. Ou seja, soa-me a falso tanto o Cavaco como a cavaca. Ainda me lembro do cavaquismo e da atitude dos boys do PSD, de arrogância e de descaramento, só com paralelo nos piores tempos dos boys do socratismo. Recordo-me do Tratado de Maastrich, da infantilidade da teoria do "bom aluno" e da alegoria da "carruagem da frente". Recordo-me do Primeiro Ministro Cavaco que, a troco de uns milhões de contos de fundos perdidos desviados na corrupção partidária, acabou com a agricultura e com as pescas. Enquanto países como a Espanha conseguiam aumentar as suas quotas nas Pescas e na PAC, o Primeiro Ministro Cavaco, na alegria ébria da festividade saloia à base de cavacas, desarticulava o aparelho produtivo a troco de indemnizações que fizeram milionários os directos beneficiários e respectivos comissionistas partidários, mas que empobreceram o país desde logo e para futuro. Eram os tempos dos abates no mar e dos pousios nos campos. Recordo-me do Primeiro Ministro Cavaco que em 1990 aumentou a massa salarial da Função Pública (aumentos e promoções) em 23% num só ano fiscal, lançando as bases do monstro orçamental que alimentamos desde então. Recordo-me do Presidente Cavaco que acarinhou e apoiou activamente os Governos de Sócrates em TGV's, eólicas, carros a pilhas e outras megalomanias, nunca tendo denunciado a beira do abismo tão evidente para todos, excepto para a sua ambição de reeleição. Recordo-me do Presidente Cavaco que nunca se preocupou com as pensões milionárias pagas pela Caixa Geral de Aposentações, ou com a justiça relativa de cada uma delas, ou com a classe militar que se aposenta aos 50 anos de idade com a pensão por inteiro, ou com os reformados dos registos e notariado com pensões calculadas com a inclusão de emolumentos que nunca estiveram sujeitos a descontos. Em suma, nunca se preocupou com o facto de todos os Aposentados da Função Pública auferirem muito mais do que a pensão directamente proporcional aos descontos que efectuaram. Nunca se preocupou com o facto de o diferencial daquelas pensões ser sustentado pelos impostos que eu pago e pelos empréstimos contraídos no estrangeiro que os meus filhos irão pagar durante toda a sua vida. O Presidente Cavaco nunca se preocupou com o facto de os impostos dos privados estarem a sustentar reformados que nunca descontaram o suficiente para receber pensões tão elevadas. Nem se preocupou com os outros reformados que não são da Função Pública, ainda menos com a justiça relativa quando se comparam os respectivos regimes. Vem agora o Presidente Cavaco em mensagem de Ano Novo preocupar-se com a equidade dos sacrifícios que estão a ser exigidos, em especial aos Funcionários Públicos. Esquece-se o Presidente Cavaco que os outros - os que não são Funcionários Públicos - há muito que andam a ser sacrificados para sustentar aqueles. Nunca o Presidente Cavaco se preocupou com a equidade dos rendimentos do cidadão comum em relação ao cidadão-funcionario-publico. Nunca o Presidente Cavaco se preocupou que uns fizessem férias no estrangeiro, enquanto outros iam reduzindo as férias até as terem eliminado por completo. Nunca o Presidente Cavaco se incomodou com os aumentos certinhos da FP sustentados, não pela produtividade do país, mas pelos impostos sugados aos privados e pelos empréstimos contraídos no estrangeiro, ao mesmo tempo que a economia real baixava rendimentos e apertava o cinto para poder sobreviver. Nunca o Presidente Cavaco se preocupou com a equidade quando os sacrifícios foram impostos aos privados ao longo dos últimos anos. Por isso, o Presidente Cavaco não representa todos os portugueses. Representa apenas os reformados da Função Pública. É por isso que me apetece mandar Cavacos e cavacas de volta à procedência. Ou seja, para Aveiro, para Resende, para as Caldas.

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2 Comments:

Blogger Victor Plastikman said...

Eh pá . . de tanto bateres na " cavaca " isto ainda ficou mais cavaqueado !!!

13:43  
Anonymous NC said...

Revejo-me completamente no seu escrito que, se me permite, vou divulgar por alguns amigos que tendem a esquecer-se de que este foi o 1º ministro que iniciou o descalabro. Lamento ter também um dia acreditado no seu discurso que naquela altura me pareceu de rigor num tempo em que o país cambaleava de demagogia. Na eleição seguinte já não me enganou, mas enganou e continua a enganar muitos portugueses fora do círculo dos interessados do costume. Infelizmente nas últimas eleições presidenciais o leque de opções também não era famoso e ele aí está a falar como se nunca tivesse tido nada a ver com o buraco negro que ele e os outros criaram...
Quanto às cavacas, é já no próximo fim de semana o espectáculo do lançamento do alto da torre da capela de S. Gonçalinho em Aveiro...essas cavacas são duras e também não são doce que me cative, mas ao menos essas são genuínas e mostram-se como realmente são a voar por cima das cabeças dos parolos que aturam e pagam a esperteza saloia do resto da cavacada...

13:08  

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