quarta-feira, maio 20, 2009

ESCADAS ABAIXO


Há cerca de 18 anos, entraram duas senhoras no meu Escritório. Queriam um advogado neutro, desconhecido de ambas as partes, para minutar um contrato promessa de compra e venda. O objecto era uma Quinta composta por vários prédios rústicos e um urbano com inquilinos preferentes. Alguns dos rústicos tinham área inferior à unidade de cultura para a zona. Também sujeitos por isso a preferências de confinantes. A matéria era densa. Em especial, na articulação das impossibilidades parciais que se pudessem vir a revelar em função da intervenção de terceiros. Uma semana inteira a fazer o contrato. Só parei para comer e dormir. Trinta e seis cláusulas de brilhante português jurídico. Para garantir a fluidez de um negócio de 150 mil contos. Convoquei as partes e facultei-lhes a minuta para que fosse apresentada aos advogados de cada uma das partes (que cada uma das partes dizia não ter), visando algum aperfeiçoamento que viesse a ser sugerido. Liquidei honorários de 200 contos e toda a gente estava contente com o contrato e de acordo com a razoabilidade dos honorários pedidos.
Passaram as semanas e nunca mais deram notícias. Vim depois a saber que tinham riscado o palavra “minuta” na folha que eu facultara, assinaram o contrato e fizeram o negócio à minha revelia. Vim a saber também através de um Colega que o ouviu da boca do próprio interveniente que, a meu propósito, foi dito: “Não pague nada a esse gajo que deve andar no cambão à porta da Boa-Hora”. Aquele juízo formulado a meu propósito por um Advogado mais velho, conceituado na Praça, que nunca me tinha visto mais magro, ofendeu-me profundamente. O que eu esperava dele é que tivesse aconselhado a Cliente a vir fazer contas comigo, em vez de estar a denegrir, sem razão ou motivo, um jovem colega que ele não conhecia de parte alguma. E que tinha trabalhado honestamente conforme a minuta do contrato na sua mão podia comprovar.

Epílogo
O negócio acabou por ficar encravado, porque um confinante exerceu preferência judicial, já que não fora notificado como eu recomendara, pois os advogados que assumiram o negócio acharam que não valia a pena essa notificação.
Uma das partes morreu num acidente de viação. A outra, a Cliente do Advogado mais velho, acabou por espatifar o resto do património que o Pai, Inglês, lhe deixara, e parece que ainda hoje vê o mundo através do vidro do fundo de uma garrafa.
Eu perdi 200 contos que ninguém me pagou.
Os advogados que assumiram o negócio receberam, cada qual para seu lado, os honorários do seu trabalho montado no meu contrato.

Pós-epílogo
Nada tenho a ver com isso. Mas se alguém o atirar pelas escadas abaixo o mínimo que posso fazer é oferecer-me para defender os criminosos caso eles sejam apanhados.

Nota: isto é uma obra de ficção.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Assunto sério...Ontem foi o dia dos Advogados.Está complicado!
"escada abaixo",se for preciso ajuda,mandamos lá a "matilha".
ups!

ps:um abraço.

13:58  

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