quinta-feira, novembro 20, 2008

A CEPA - TORTA

Na Ciência do Direito estabelece-se a diferença entre Jurisprudência dos Conceitos e Jurisprudência dos Interesses. Sumariamente e em linguagem de leigos, a primeira corrente centra a interpretação das leis e regula os comportamentos humanos tendo como matriz o encadeado harmonioso dos conceitos jurídicos conforme têm sido trabalhados pelos mestres ao longo dos séculos. Esta abordagem permite grande segurança no comércio jurídico, pois que as soluções dos problemas dependem do conhecimento doutrinal dos conceitos e a uniformização das soluções tende a ser obtida por mero exercício lógico. Protege um valor essencial da vida em sociedade que é a previsibilidade das consequências para quem cumpre e para quem não cumpre a lei. Mas é um modelo que se esgota em si mesmo, pois desconsidera fenómenos com juridicidade inquestionável que surjam, entretanto, na sociedade. E na vida moderna todos os dias surgem situações que não estão previstas em lei pré-existente, ainda menos estudadas como conceitos-jurídicos.
Para corresponder às novas exigências da vida actual lançou-se mão a outra forma de interpretar as leis e a vida. Pela Jurisprudência dos Interesses, em vez de se tentar meter à força a nova situação nos limites definidores de um conceito pré-existente que a explique, defina e catalogue, tentava-se obter uma clarificação conceptual das situações de vida, interpretando a nova situação à luz dos objectivos e das finalidades que essa situação visava prosseguir. A situação da vida já não fica circunscrita ao espartilho da sua definição conceptual, mas antes permeável à ponderação de todas as circunstâncias de vida que a contextualizam e explicam. Este caminho é mais arriscado, pois falta a segurança que o outro confere. Mas permite adequar com maior rapidez e flexibilidade as soluções e interpretaçãos legais às exigências actuais da galopante vida moderna. Para um estudante, a contraposição faz-se em termos de que para a primeira corrente tem que se empinar a matéria, enquanto na segunda corrente tem que se ter capacidade de pensar sobre uma base restrita de conceitos para se atingir a solução.
O nosso país sofre em demasia da Jurisprudência dos Conceitos. Literariamente somos muito progressistas, mas estamos sempre agarrados à mesquinhez (cobardia ?) das soluções pré-existentes sem rasgo de alma ou de génio para montar as asas do intelecto criador. Com medo da vida, em suma.
É por isso que o Poder Político acha que é a fazer muitas leis que se resolvem os problemas, é por isso que se julga que a Educação se resolve com grelhas de avaliação de professores, é por isso que se entendia que a saúde se resolvia num esquema centralizado, é por isso que os Juízes acham que é com mais poder próprio que se resolve o problema da Justiça, é por isso que se acha que é com mais auto-estradas, pontes e aeroportos que se resolve o problema da qualidade de vida das famílias. Os exemplos abundam.
O futebol não foge à regra. A nossa Escola-Mãe do Desporto esgota-se a definir os conceitos posicionais dos jogadores. E os nossos treinadores não largam esses esquemas rígidos, com medo. Esquece-se que o futebol é um dos expoentes da vida, da alegria, do improviso, da criatividade, do prazer com que deve ser jogado (vivido). Não se compadece com esquemas duros e castradores da criatividade. A menos que se encontre do lado de lá outra equipa que cumpra os mesmos ditames. E então o jogo fica chato, aborrecido, dormente. À Jesualdo, portanto. Quando do outro lado, os jogadores não estão sujeitos a rígidos e inflexíveis esquemas conceptuais e são deixados ao sabor da criatividade, as diferenças são por demais evidentes. Ou seja, por vezes até nem convém saber muito de tácticas para que os jogadores possam fluir livremente e render. Scolari dependia disso. Preocupava-se apenas com a defesa. No ataque, também porque não sabia mais, deixava os jogadores à solta. E desde que o adversário não fosse muito sofisticado, Scolari triunfava.
Carlos Queiroz é um doutorado em Conceitos. Seguramente que é das pessoas que mais sabe de posições tácticas. Mas o futebol dele é atadinho, castrador da criatividade individual e potenciador de humilhações profundas cada vez que se encontra do lado de lá alguém que jogue o jogo com a liberdade e a criatividade que o prazer sempre potencia.
Carlos Queiroz é apenas o exemplo de mais um Sábio, com as credenciais mais eloquentes que o Sistema pode reconhecer. A par de tantos outros Sábios na Justiça, na Educação, na Economia, na Saúde que temos por aí. Mas, com tantos Sábios, porque é que não saímos da cepa-torta ?

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Coisas que tu sabes e dizes,Mestre!
UPS!

20:20  
Anonymous Anónimo said...

Porque temos poucos sábios.

00:28  

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