terça-feira, janeiro 22, 2008

CONTRADITÓRIO


Imagem daqui.
Talvez por deformação profissional, uma opinião contrária à minha, vale ouro.

Da Anabananasplit recebi o comentário que a seguir transcrevo na íntegra:

"(Carneiro), penso que poderá estar a tirar ilações erradas do que aconteceu (ou, neste caso, do que não aconteceu).«Entretanto, e tentando aproveitar a embalagem da outra manifestação, surgiu o paisano da iniciativa de ontem.»Este tal Paulo Passos Leite encostou-se ao passeio de 6 de Dezembro alguns dias antes, visto que o anunciou num fórum 3 dias antes, dizendo que só nessa altura tinha sabido do evento. Mas apareceu citado numa série de artigos de media sobre o tal passeio, pelo que, presumo, não será um gajo qualquer com uma "hidden agenda" de algum tipo mais obscuro.«É que andam por aí uns ciclistas, organizados como "uma coincidência não organizada nem hierarquizada", que não percebem que esta coisa das bicicletas, além de envolver diversas sensibilidades, diferentes formas de uso das bicicletas, é um assunto sério. E acham que só a forma deles "é que é". E depois metem-se onde não são chamados, metem-se a fazer o que não sabem e, depois, as merdas acontecem.»Aqui acho que se está a precipitar e a acusar injustamente os participantes mais ou menos activistas (que variam muito) da Massa Crítica... Penso que este tal Paulo não tem nada a ver com a MC. Pelo que consegui pesquisar, ele pratica triatlo, dirigiu o CityChase em Portugal e trabalha numa empresa de eventos desportivos, pelo menos é o que indicam os contactos que ele indicou nos textos de divulgação e às autoridades...«cuidado com manifestações "ciclísticas" convocadas por entidades anónimas, ou "cidadãos individuais" que não dão a cara, porque o movimento ciclístico é uma coisa séria e só fica prejudicado se a sociedade nos começar a ver envolvidos com okupas, xapitôs, ecotópicos e outros alternativos.»Quanto à questão do anonimato, já comentei acima. Pode-se, no entanto, aprender com este episódio e só passar a reencaminhar e divulgar coisas cuja autenticidade possamos aferir minimamente. ;-) Concordo que este flop deu má imagem aos ciclistas, sim, mas principalmente ao organizador... Acho a associação que fez com "okupas, xapitôs, ecotópicos e outros alternativos" descabida para o caso.Quanto ao movimento ciclístico, há dois: o do ciclismo pelo ciclismo, do desporto (BTT, cicloturismo, etc) em que a bicicleta é um fim em si mesma, e o da mobilidade, em que a bicicleta é um meio para atingir um fim. São ambos necessários e benéficos para todos, e um não invalida o outro. ;-)Foi bom conhecê-lo ao vivo e a cores, depois de tantas visitas ao seu blog. É bom dar uma 3ª dimensão às interacções virtuais ao fim de algum tempo. :-) "


À laia de complemento esclareço:


1. Fazer generalizações comporta sempre o perigo de atingir pessoas que, fora do respectivo grupo, não merecem. Este, o pecado original do meu texto. Mea culpa. Porque as pessoas com quem tenho lidado pessoal e directamente merecem tudo, menos uma desanda daquelas. Mas...


2. Sob o pretexto da manifestação falhada, falei de muitas outras realidades:


a) do dia europeu sem carros que serve para lançar na rua uniciclistas, cuspidores de fogo e malabaristas de todos os chapitôs que por aí existem. Ao mesmo tempo que se agridem os automobilistas, impedindo de trabalhar quem precisa mesmo do carro para trabalhar nesse dia. E o que é que o uso da bicicleta tem a ver com cuspidores de fogo e de homens-estátuas que normalmente são associados a campanhas eleitorais de certos grupos? É que o cidadão comum que vê o telejornal em casa e que não abdica do seu carrinho como símbolo do seu sucesso social, acaba por ver associado ao uso da bicicleta um conjunto alternativo de estilos de vida que, sendo legítimos, estão longe de ser meramente significativos no contexto social ou, sequer, exemplificativos de um normal estilo de vida que inclua a bicicleta como instrumento de lazer, de desporto e de transporte.


b) das iniciativas estapafúrdias como a da "bicicleta em gravata para Executivos". Quem importa estas ideias da europa do norte - que farão todo o sentido em países que fazem todo o verão com temperaturas pelos 20 º - não percebe que em Portugal, em Lisboa, isso é impossível. Pelo temperatura, pela orografia. Como qualquer pessoa que está habituada a usar gravata em Lisboa bem sabe, a gestão da transpiração, mesmo sem andar de bicicleta, é um problema profissional agudo. Só fala em usar gravata numa bicicleta, quem não tem a mínima noção do que está a dizer. Teria piada perguntar aos promotores dessa ideia peregrina quantos deles sabem fazer o nó da gravata, ou quantos usam a gravata profissionalmente. Aliás, há uns meses tive a mesma discussão com uma fanática defensora da ideia em Monsanto. Que gritou comigo e me deu lições de moral ciclística. Mas eu subi até lá de bicicleta, ela, desconfio, terá ido de carro...


c) de inciativas provocatórias como a voltinha do Marquês que não sensibiliza ninguém, antes só serve para atrapalhar o transito e provocar os automobilistas que são o nosso "mercado alvo" em termos de conversão de meios de transporte. Para se convencer alguém a uma nova prática, só poderemos exemplificar pela normalidade, pela elevação do exemplo. Querer convencer o cidadão médio que vota no PS ou no PSD - e estes são mais de dois terços da sociedade - a mudar de transporte, atrasando-o no jantar de sexta-feira e obrigando-o a suportar as deambulações ciclísticas de activistas que fazem questão em afirmar visualmente a diferença e a sua forma alternativa de vida, obviamente que não leva a lado algum. A bicicleta fica inevitavelmente associada e comprometida com essa 'alternativice' e encarada nesses exactos termos. Cada qual que viva a sua vida como entende e ninguém o poderá criticar (era o que faltava e nunca será isso que está em causa.) Mas que não se pense que é dessa forma que se convence o cidadão médio, que tem medo das mudanças e que só por razões económicas, nunca culturais, mudará o seu paradigma de consumo energético.


d) do fanatismo descabido e do paternalismo descontextualizado com que regra geral sou tratado pelos ciclistas a que me referi no Post. Não se bastam em exemplificar com a sua prática ciclística - têm que convencer que a sua prática é que é a correcta. Não se bastam em aconselhar ou em recomendar - preferem impôr as suas afirmações de princípio como verdades apodíticas. E é por isso que, regra geral, me falta a paciência. É que (alguns desses) ciclistas fazem num ano tantos quilómetros como os que eu faço num mês. O mais que sobem é o Parque Eduardo VII - eu já subi à Torre da Estrela e subo o Montejunto a caminho do almoço. O mais longe que fazem de férias é ir à Praia de Algés de bicicleta - eu, na ultima vez que fiz férias, percorri quase 1300 Km com 20 Kilos de bagagem. Por isso, que autoridade moral ou prática detêm para se assumirem tão peremptórios ? É que regra geral não falam da sua experiência ciclística. Falam da experiência de outros noutros países. Mas no reino das bicicletas ninguém pode falar de cor. Quem quer ter opinião, primeiro dá ao pedal e depois, emite sentenças. Não há volta a dar.


e) da utilização abusiva do Metro para transportar a bicicleta. Em caso de muita chuva ou de furos já andei de Metro com a bicicleta. Mas o Metro, em regra, não serve para isso. As bicicletas no Metro incomodam os restantes passageiros. E afinal que treta de ciclistas são estes que andam no Metro com a bicicleta às costas ? E se todos agora resolvessem levar a bicicleta no Metro ? Está em causa confundir um mera tolerância com um direito absoluto e isso, mais tarde ou mais cedo, vai criar problemas com os transportes publicos. A bicicleta é, ela própria, um meio de transporte urbano complementar e paralelo ao Metro. Não é para andar encavalitado no Metro. Isto para mim é tão óbvio que nem percebo esta fixação em andar no Metro com a bicicleta.


f) Em suma, tentei falar dos anticorpos que algumas (mesmo bem intencionadas) iniciativas de ciclistas estão a causar. Por isso, contextualizando devidamente o que escrevi, não retiro uma vírgula, amiga Ana. Anda por aí muito bom rapaz que só está a estragar a causa ciclistica. Ainda por cima convencido que está a fazer um figuraço. Da mesma forma que o Partido Comunista, ao se ter apropriado do ideário ecologista, atrasou a nossa consciencia colectiva ecológica em 25 anos, também alguns grupos de activistas da bicicleta estão a fazer tudo para criar anti-corpos na sociedade sobre a utilização regular da bicicleta em meio urbano.


Um abraço para si, Ana. Gostei de a conhecer e ao seu marido.
Actualização: recebi coments em que os anónimos me insultam usando apenas o adjectivo sem explicar onde não tenho razão. É apenas a prova provada do que acima escrevi.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

...eu não uso gravata e tb me farto de transpirar...é um desatino :-(


Tambem achei que a Ana teve razão mas já te explicaste e bem! :-)

11:02  
Blogger carneiro said...

Caro Sr.Tiago Mesquita Carvalho,

O seu longo texto encerra argumentos passíveis de os publicar. Posso não concordar com quase nada, mas a discordância não é impeditiva.

Se conseguir enviar o texto sem as alusões pessoais que nada acrescentam ao discurso poderemos ter uma conversa construtiva.

Doutro modo, lamento.

18:00  
Blogger Agnelo Figueiredo said...

Força Carneiro!
(digo eu que sei fazer o nó da gravata e não ando de bicicleta)

19:53  

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