terça-feira, junho 05, 2007

CICLO-VOTO

O cicloturismo organizado actual é um reminiscência das organizações de cidadania da década de 70, quase todas ligadas aos orgãos de base de certas forças políticas. Programam-se uns passeios ao longo do ano para se mostrar trabalho e nada mais acontece. É certo que nos últimos anos se têm multiplicado o número de associados - em especial na vertente BTT -, mas tal se deve exclusivamente às condições muito vantajosas de uma apólice de seguro que a Liberty tem contratada com a Federação. Por mero efeito de inscrição na Federação, o ciclista passa a beneficiar de um seguro muito mais barato do que aquele que conseguiria em negociação directa com as seguradoras. Tem sido este o grande mérito do cicloturismo organizado português. Ultrapassados os traumas de Abril - que obrigavam a que o utilizador de bicicleta fosse um proletário consciente da sua classe e da vanguarda que lhe cabia apoiar - entrámos numa fase sociológica que considera a bicicleta um instrumento de lazer e de saúde. Também deveria ser um meio de transporte urbano - mas o saloio novo-riquismo português vai durar muito tempo a reconhecer essa valência.
A causa do ciclismo - bem como a do ambiente - não é de esquerda nem de direita. Decorre do mero bom senso. Culturalmente sou de direita, sendo previsível o sentido do meu voto. Mas o ciclismo prevalece sobre tudo o mais. Tenho andado a provocar alguns candidatos com a questão do ciclismo na cidade. Um deles já acusou a recepção da minha mensagem no respectivo site.
No fundo, não acredito que qualquer deles queira pegar na questão do ciclismo. Seria a primeira vez desde a generalização da vacina tríplice que os políticos em Portugal actuariam com seriedade numa questão de saúde pública.
Quem quer que ganhe as eleições, na melhor hipótese, vai continuar a fazer umas "ciclovias" para inglês-ver interrompidas a cada 100 metros por um semáforo, que servem para tudo menos para andar de bicicleta ou para praticar ciclismo. E enquanto as pessoas não tiverem à disposição ciclovias "expresso", ou seja, resguardadas e com poucas interrupções de percurso, a utilização da bicicleta como transporte urbano alternativo não se vai generalizar, pois os ciclistas serão obrigados a consecutivas paragens reveladoras da subalternidade em relação ao todo-poderoso automóvel e ilustrativas da total ineficácia do conceito. E as pessoas só mudam para melhor. A ciclovia ou consegue ser competitiva em relação ao automóvel, ou está votada ao fracasso.
O passeio com António Costa promovido pela Direcção da Federação foi uma consequência natural das sondagens. A Federação, com uma mão estendida, o barrete na outra e o rabo entre as pernas, foi bater à porta do mais provável futuro presidente. Até porque Carmona não pagou o subsídio - cerca de 30.000 € - à Federação nos dois últimos anos. Ou seja, o costumeiro pedinchar do subsídio camarário, com o compromisso implícito de "enquanto pagares, nós Federação, não fazemos ondas". E o cicloturismo fica por onde tem andado. Ou seja, sem ondas para lá das lombas do alcatrão. E comprometido com o poder autárquico - qualquer que ele seja. Até porque a este só cabe sustentar os clips e as fotocópias que muito se gastam nestas federações amadoras.
Por isso, Azurara, descansa que não vou votar no Costa. O gajo sabe lá o que é uma bicicleta...
Notas:
1. Aceitam-se interpretações da foto, no contexto supra.
2. Em BTT não é exactamente como descrevi. A "modalidade", por ser mais recente, conseguiu não ficar com as mobílias federativas. Mais leves e arejados, os rapazes e as raparigas do BTT têm conseguido fazer umas coisas engraçadas. Só lá estão pelo seguro barato, fazendo vida quase em separação de bens. Estou a pensar mudar para o BTT.

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Pois é, muito nos contas...os 'interesses' são sempre a mesma coisa.


Tb fico mais descansada que não vás votar no Costa do CAstelo...livra!





A SULISTA

12:02  
Blogger Agnelo Figueiredo said...

Acho fantástico que a tua militância te leve a dizer que "A ciclovia ou consegue ser competitiva em relação ao automóvel, ou está votada ao fracasso."

Competição entre alombar na bicicleta e descansar no automóvel...
Acho mesmo extraordinário.

É que eu sou daqueles que está convencido que toda a evolução da nossa espécie se fez no sentido do menor esforço e do maior conforto (literal).
Automóvel, é claro, mas também escadas rolantes, passadeiras rolnates, elevadores, que sais-je...
E que, portanto, continuaremos a procurar meios mais velozes, mais individuais, mais confortáveis e, naturalmente, mais "limpos".

Acho, portanto, imensamente difícil inverter este nosso caminho "natural".

Na foto não reconheci nenhum dos macacos japoneses (penso que são)...

01:40  
Blogger carneiro said...

Os macacos japoneses são os federativos a pedir ao futuro presidente da camara que não apague o esquentador que lhes permite ter o rabo de molho no quentinho. Bicicletas, não se vê nem uma. Obviamente. O que é que isso interessa se a preocupação é ter o cu de molho ?

Quantro às questões que referiste à minha militância, Azurara, eu só entenderia o teu discurso num contexto em que não fosse claro para todos que o corpo humano não acompanhou, nem podia acompanhar, a evolução das tecnologia e ciencia humanas. E, por isso, temos tecnologia de conforto a mais para um corpo humano que necessita de muito maior esforço físico do que aquele que as tecnologias o obrigam a suportar para manter equilíbrio metabólico.

Por existir tanta facilidade tecnológica é que as doenças do corpo humano cada vez são maiores e mais graves.

No teu texto misturas duas dimensões que correndo em paralelo, se desenvolvem em tempos diferentes: a evolução biológica da espécie humana e a evolução tecnológica.
Esta é a tua falácia e a dimensão ligeira das conclusões que teces. E francamente considero tão disparatado o que dizes que só entendo que o tenhas largado como provocação deliberada.
A estação Baixa Chiado do metro em lisboa tem um acesso á Rua do Crucifixo com escadas rolantes e com quatro lances de escadas com 15 degraus cada. Eu sou um dos poucos que subo os 60 degraus.

E tenho a certeza que estou a ser muito mais inteligente do que aqueles que se deixam ir nas escadas mecanicas.

Volta sempre.

12:46  
Blogger Agnelo Figueiredo said...

Olha que, embora provocadora, não é nada ligeira, meu caro.

Sabes, sou um tipo muito pouco virado para "as grandes causas" tirando as "fracturantes".
Combater a normal evolução da sociedade não é uma "grande causa"; é muito mais que isso; é uma utopia!

O que não quer dizer que os "crentes" - neste caso os xiclistas - estejam errados na forma como encaram a necessidade do exercício como terapia fisiológica, porque, no essencial, não estão. Estarão é contra-a-corrente.

Tenho para mim que cada vez iremos menos a pé (ou de bicicleta) para o trabalho e cada vez marcaremos mais tempo para fazer exercício. Coisas distintas, estás a ver?
Rapidez e conforto para o "trabalho"; tratar do corpo de forma específica (ver proliferação dos ginásios).

Costumo dizer que teremos passadeiras rolantes (ou melhor ainda) nas nossas casas...

02:58  
Blogger Agnelo Figueiredo said...

Ah! E também teremos, na mesma casa, a zona e a traquitana para tratar do físico!

03:01  

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